quarta-feira, setembro 04, 2013



Uma educação para amanhã
(...) Quando deixado, a si, ao seu bel-prazer e aos seus instintos, o indivíduo é susceptível de produzir esses monstros de egoísmo, de caprichismo e de criminalidade cujos «feitos» os modernos meios de comunicação social são tão fecundos em explorar. Quando manipulado pelo grupo, graças a técnicas cada vez mais aperfeiçoadas, é passível da acção de massas sujeitas às leis, quase físicas, da mecânica e da dinâmica sociais e produzir esses monstros colectivos a que uma prática excessivamente frequente neste século já pouco menos que nos habituou.
O homem «forma-se pessoa», quer dizer: evolui para um ser realmente humano pelo seu desenvolvimento como consciência e como liberdade. Ser quase indefinidamente moldável, o homem só se erguerá homem, na e para a «humanitas», se as suas capacidades de conhecimento, de decisão, de autodeterminação, de escolha, de responsabilização, forem tomadas a sério.
Essa tomada a sério determinará, em boa parte, a qualidade do mundo de amanhã. Mundo da quantidade pela força, quase fatal, das coisas -

quantidade de homens, quantidade de produtos e artefactos,  quantidade intensiva na
reciprocidade das relações de tudo e de todos - importa sobremaneira que semelhante quantidade seja dirigida e orientada pela qualidade.
Mas - verificação banal - só o será na medida em que o homem se encontrar qualificado, precisamente como homem. Não como técnico, profissional ou burocrata - a máquina poderá realizar não poucas coisas melhor do que ele - mas como ser activo, portador e criador de ideias e de valores, de formas e de conhecimentos novos, de estilos e de sentimentos de vida
verdadeiramente humanizadores.
Sendo assim, educar para amanhã não será tanto formar homens para a ciência e para a tecnologia quanto formar homens que, pela ciência e pela tecnologia e, mais além da ciência e da tecnologia, sejam humanistas, filósofos, moralistas, organizadores e animadores
espirituais de um mundo que pode não chegar a saber em que empregar a própria riqueza material como hoje, em parte, já o não sabe.

Manuel Antunes, Educação e Sociedade, Lisboa, Sampedro, 1973




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