DIA MUNDIAL DA PAZ
MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
1º de janeiro,
celebra-se o Dia Mundial da Paz. Segue, algumas ideias da primeira mensagem do
papa Francisco para este dia e que aborda o tema "Fraternidade, fundamento
e caminho para a paz.
1. Nesta minha primeira
Mensagem para o Dia Mundial da Paz, desejo formular a todos, indivíduos e
povos, votos duma vida repleta de alegria e esperança. Com efeito, no coração
de cada homem e mulher, habita o anseio duma vida plena que contém uma
aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em
quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e
abraçar.
Na
realidade, a fraternidade é uma dimensão essencial do homem, sendo ele um ser
relacional. A consciência viva desta dimensão relacional leva-nos a ver e
tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem tal
consciência, torna-se impossível a construção duma sociedade justa, duma paz
firme e duradoura. E convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a
aprender habitualmente no seio da família, graças sobretudo às funções
responsáveis e complementares
de todos os seus membros, mormente do pai e da mãe. A família é a fonte de toda
a fraternidade, sendo por isso mesmo também o fundamento e o caminho primário
para a paz, já que, por vocação, deveria contagiar o mundo com o seu amor.
O número
sempre crescente de ligações e comunicações que envolvem o nosso planeta torna
mais palpável a consciência da unidade e partilha dum destino comum entre as
nações da terra. Assim, nos dinamismos da história – independentemente da
diversidade das etnias, das sociedades e das culturas –, vemos semeada a
vocação a formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e
cuidam uns dos outros. Contudo, ainda hoje, esta vocação é muitas vezes
contrastada e negada nos fatos, num mundo caracterizado pela «globalização da
indiferença» que lentamente nos faz «habituar» ao sofrimento alheio,
fechando-nos em nós mesmos.
«Onde
está o teu irmão?» (Gn 4, 9)
2. Para compreender
melhor esta vocação do homem à fraternidade e para reconhecer de forma mais
adequada os obstáculos que se interpõem à sua realização e identificar as vias
para a superação dos mesmos, é fundamental deixar-se guiar pelo conhecimento do
desígnio de Deus, tal como se apresenta de forma egrégia na Sagrada Escritura.
Segundo a
narração das origens, todos os homens provêm dos mesmos pais, de Adão e Eva,
casal criado por Deus à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26), do qual nascem
Caim e Abel. Na história desta família primogênia, lemos a origem da sociedade,
a evolução das relações entre as pessoas e os povos.
A narração
de Caim e Abel ensina que a humanidade traz inscrita em si mesma uma vocação à
fraternidade, mas também a possibilidade dramática da sua traição. Disso mesmo
dá testemunho o egoísmo diário, que está na base de muitas guerras e
injustiças: na realidade, muitos homens e mulheres morrem pela mão de irmãos e
irmãs que não sabem reconhecer-se como tais, isto é, como seres feitos para a
reciprocidade, a comunhão e a doação.
«E vós
sois todos irmãos» (Mt 23, 8)
3. Surge espontaneamente
a pergunta: poderão um dia os homens e as mulheres deste mundo corresponder
plenamente ao anseio de fraternidade, gravado neles por Deus Pai? Conseguirão,
meramente com as suas forças, vencer a indiferença, o egoísmo e o ódio, aceitar
as legítimas diferenças que caracterizam os irmãos e as irmãs?
Parafraseando as palavras do
Senhor Jesus, poderemos sintetizar assim a resposta que Ele nos dá: dado que há
um só Pai, que é Deus, vós sois todos irmãos (cf. Mt 23, 8-9). A raiz da
fraternidade está contida na paternidade de Deus. Não se trata de uma
paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz, mas do amor pessoal,
solícito e extraordinariamente concreto de Deus por cada um dos homens (cf. Mt
6, 25-30). Trata-se, por conseguinte, de uma paternidade eficazmente geradora
de fraternidade, porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais
admirável agente de transformação da vida e das relações com o outro, abrindo
os seres humanos à solidariedade e à partilha ativa.
A
fraternidade, fundamento e caminho para a paz
4. Suposto isto, é fácil
compreender que a fraternidade é fundamento e caminho para a paz. As Encíclicas
sociais dos meus Predecessores oferecem uma ajuda valiosa neste sentido. Basta
ver as definições de paz da Populorum progressio, de Paulo VI, ou da Sollicitudo
rei socialis, de João Paulo II. Da primeira, apreendemos que o desenvolvimento
integral dos povos é o novo nome da paz[3] e, da segunda, que a paz é opus
solidaritatis, fruto da solidariedade.[4]
A
fraternidade, premissa para vencer a pobreza
5. Na
Caritas in veritate, o meu Predecessor lembrava ao mundo que uma causa
importante da pobreza é a falta de fraternidade entre os povos e entre os
homens.[11] Em muitas sociedades, sentimos uma profunda pobreza relacional,
devido à carência de sólidas relações familiares e comunitárias; assistimos,
preocupados, ao crescimento de diferentes tipos de carências, marginalização,
solidão e de várias formas de dependência patológica. Uma tal pobreza só pode
ser superada através da redescoberta e valorização de relações fraternas no
seio das famílias e das comunidades, através da partilha das alegrias e
tristezas, das dificuldades e sucessos presentes na vida das pessoas.
Além disso, se por um
lado se verifica uma redução da pobreza absoluta, por outro não podemos deixar
de reconhecer um grave aumento da pobreza relativa, isto é, de desigualdades
entre pessoas e grupos que convivem numa região específica ou num determinado
contexto histórico-cultural. Neste sentido, servem políticas eficazes que
promovam o princípio da fraternidade, garantindo às pessoas – iguais na sua
dignidade e nos seus direitos fundamentais – acesso aos «capitais», aos
serviços, aos recursos educativos, sanitários e tecnológicos, para que cada uma
delas tenha oportunidade de exprimir e realizar o seu projeto de vida e possa
desenvolver-se plenamente como pessoa.
A
redescoberta da fraternidade na economia
6. As graves crises
financeiras e económicas dos nossos dias – que têm a sua origem no progressivo
afastamento do homem de Deus e do próximo, com a ambição desmedida de bens
materiais, por um lado, e o empobrecimento das relações interpessoais e
comunitárias, por outro – impeliram muitas pessoas a buscar o bem-estar, a
felicidade e a segurança no consumo e no lucro fora de toda a lógica duma
economia saudável. Já, em 1979, o Papa João Paulo II alertava para a existência
de «um real e perceptível perigo de que, enquanto progride enormemente o
domínio do homem sobre o mundo das coisas, ele perca os fios essenciais deste
seu domínio e, de diversas maneiras, submeta a elas a sua humanidade, e ele
próprio se torne objecto de multiforme manipulação, se bem que muitas vezes não
diretamente perceptível; manipulação através de toda a organização da vida
comunitária, mediante o sistema de produção e por meio de pressões dos meios de
comunicação social».[14]
A
fraternidade extingue a guerra
7. Ao longo do ano que
termina, muitos irmãos e irmãs nossos continuaram a viver a experiência
dilacerante da guerra, que constitui uma grave e profunda ferida infligida à
fraternidade.
Há muitos
conflitos que se consumam na indiferença geral. A todos aqueles que vivem em
terras onde as armas impõem terror e destruição, asseguro a minha solidariedade
pessoal e a de toda a Igreja. Esta última tem por missão levar o amor de Cristo
também às vítimas indefesas das guerras esquecidas, através da oração pela paz,
do serviço aos feridos, aos famintos, aos refugiados, aos deslocados e a
quantos vivem no terror. De igual modo a Igreja levanta a sua voz para fazer
chegar aos responsáveis o grito de dor desta humanidade atribulada e fazer
cessar, juntamente com as hostilidades, todo o abuso e violação dos direitos
fundamentais do homem.[15]
A
corrupção e o crime organizado contrastam a fraternidade
8. O horizonte da
fraternidade apela ao crescimento em plenitude de todo o homem e mulher. As
justas ambições duma pessoa, sobretudo se jovem, não devem ser frustradas nem
lesadas; não se lhe deve roubar a esperança de podê-las realizar. A ambição,
porém, não deve ser confundida com prevaricação; pelo contrário, é necessário
competir na mútua estima (cf. Rm 12, 10). Mesmo nas disputas, que constituem um
aspecto inevitável da vida, é preciso recordar-se sempre de que somos irmãos;
por isso, é necessário educar e educar-se para não considerar o próximo como um
inimigo nem um adversário a eliminar.
A
fraternidade ajuda a guardar e cultivar a natureza
9. A família humana
recebeu, do Criador, um dom em comum: a natureza. A visão cristã da criação
apresenta um juízo positivo sobre a licitude das intervenções na natureza para
dela tirar benefício, contanto que se atue responsavelmente, isto é,
reconhecendo aquela «gramática» que está inscrita nela e utilizando, com
sabedoria, os recursos para proveito de todos, respeitando a beleza, a
finalidade e a utilidade dos diferentes seres vivos e a sua função no
ecossistema. Em suma, a natureza está à nossa disposição, mas somos chamados a
administrá-la responsavelmente. Em vez disso, muitas vezes deixamo-nos guiar
pela ganância, pela soberba de dominar, possuir, manipular, desfrutar; não
guardamos a natureza, não a respeitamos, nem a consideramos como um dom
gratuito de que devemos cuidar e colocar ao serviço dos irmãos, incluindo as
gerações futuras.